17 de Maio de 2015
Raid Alvalade – Pôrto Covo e… volta.
Começar pelo princípio
Foi com alguma expectativa, que recebi o convite para ir a Alvalade, depois de ter constatado que em 2014, tinham participado cerca de 2000 betetistas, no raid até Pôrto Covo, tendo alguns feito o regresso a Alvalade.
Apesar de saber que no Alentejo há muito espaço e nada está, por assim dizer, encavalitado e, onde a expressão “é já ali” ter o significado de muitos quilómetros de distância, foi a preocupação do evento, se tornar numa enorme confusão, em todo o seu percurso, desde a partida à meta, passando pelos reforços, a terminar nos banhos, que me levava a pensar, se teria sido uma boa opção, fazer tantos quilómetros de viagem, para depois ainda pedalar 120 km.
Puro engano e enorme surpresa
Nada disso aconteceu e agora estou certo que não poderia acontecer, depois de tanto empenho e experiência da organização e demais voluntários, neste tipo de eventos, que já vai na 17.ª edição, que fizeram deste dia uma festa de BTT.
Foi com toda a certeza, tendo em conta o elevado número de participantes, que este ano ultrapassou em várias centenas, o do ano passado (cerca de 2600), o melhor Evento, quer pela organização, quer pela excelência dos reforços, pela assistência mecânica e em toda a restante logística, em que participei, nestes últimos cinco anos, opinião também partilhada pelo meu companheiro, Mário Dantas, que me acompanhou nesta aventura e com muitas participações em eventos de BTT e que também destacou este Evento como um dos melhores de que já desfrutamos, desta vez por terras Alentejanas.
A participação do Dar ao Ped@L
Fomos dos primeiros a nos inscrever e a reservar alojamento em Santiago do Cacém, para pudermos ir de véspera, tratar de levantar os dorsais e os brindes, junto do secretariado e depois descansar da longa viagem desde o Porto e nos apresentarmos cedo e fresquinhos, para a grande aventura, num dia com previsões de muito calor e exposição solar.
Depois de termos feito o reconhecimento na noite anterior, estávamos alojados a uns 30 km e uns bons 30 minutos de Alvalade, mas já tínhamos visto o local de estacionamento e a meta, pelo que só nos faltava, levantar às 6:30, tomar um banho e deliciarmo-nos com um saboroso pequeno -almoço e de seguida zarpar.
Ainda no hotel, enquanto nos despedíamos dos simpáticos funcionários, que nos desejaram um bom dia de pedaladas, já avistávamos os primeiros carros, transportando homens e máquinas, em direcção a Alvalade.
Pela estrada fora, enquanto íamos falando e expondo as nossas expectativas, mais alguns carros se cruzaram connosco, também eles carregados de bicicletas, com os condutores mais apressados, talvez por ainda terem de ir fazer o levantamento dos dorsais.
Esperava eu, um enorme engarrafamento ou uma fila para entrar em Alvalade, mas nada disso aconteceu, uma enorme surpresa, de ver ao longe, na longa recta de acesso à vila, o brilhar de centenas de carros, estacionados em diversos locais, espelhados pelos raios solares.
Foi lindo ver, tanta azáfama de pessoas, betetistas na preparação das suas bikes, familiares tirando fotos e despedindo-se para rumar a Pôrto Covo, elementos da organização e voluntários, sempre a apoiar e a orientar os participantes.
Alinhados na rua da Escola, prontos para a partida, já estavam milhares de betetistas, ansiosos pelo toque de partida, enquanto uns ainda tiravam as últimas fotos, o drone sobrevoava e filmava a enorme e colorida imensidão humana e a organização dava os últimos retoques.
Partida, largada, fugida
PUM, soou o disparo e os confetis voaram no ar e, aos soluços, num pára e arranca sem confusões, já todos iam pedalando devagarinho, por entre as ruas da vila alvaladense, com a população muito simpática, a bater palmas e a desejar-nos um bom passeio.
Para esticar um pouco mais a longa fila de homens e bikes, tivemos logo à saída de Alvalade uma comprida recta em asfalto (se fosse uma longa subida, de certeza que nos separariam muito mais, mas que caraças, o Alentejo é plano), que proporcionou aos da frente e aos mais velozes, os primeiros esticanços, antes de se entrar na terra e no pó e de terem de passar por algum tipo de afunilamento, que é certo aconteceu com os mais retardados, mas que não foi nada de anormal ou de caótico, e que com mais calma se tratou de aligeirar, optando por fazer duas filas, uma que seguia por um estradão de terra muito solta e com muito pó e outra num pequeno trilho, mais técnico que ladeava um pequeno canal de irrigação dos arrozais.
A passagem pelos arrozais, apesar do muito pó levantado pelos milhares de rodados, proporcionou belos momentos a quem pedalava e via os outros companheiros mais avançados, refletidos em lindíssimos espelhos de água, resultando daí, talvez as mais belas fotos de todo o percurso, não descurando as que mais tarde se iriam tirar, junto ao mar, em Pôrto Covo.
Com uma pequena subida, entramos em trilhos florestais, ainda com cerca de sessenta quilómetros pela frente e já a pensar no primeiro reforço, aos 20 km, em S. Domingos.
Nesta aventura, tivemos uma variedade de trilhos e muitos tipo de pisos, percorremos estradões, caminhos rurais e florestais, cruzamos aldeias e herdades e até pedalamos numa pequena praia, tivemos muito pó e muita areia, alguma sombra e muito calor, mas o que nunca nos faltou em todo o caminho, foi a simpatia da população e a excelente organização, com sete reforços que ninguém esquecerá.
Chegados a S. Domingos, tivemos então o primeiro reforço, com os quartos de laranja, as meias bananas, sumos e água com fartura, para refrescar as gargantas de tanto pó entranhado e aliviar as primeiras sedes, que o calor já começava a apertar.
Retemperados, lá íamos fugindo, deixando para traz na praça do reforço, os que ainda se retemperavam e os que acabavam de chegar.
Tinha de ser assim, dar lugar aos outros para não haver confusão e todos compreendiam que assim deveria de ser, neste e nos reforços seguintes.
De novo a pedalar, na terra solta, envoltos em pó, de vez em quando pedalando em zonas com muita areia, a qual em muitas partes de todo o percurso se tornava traiçoeira, ao derrapar e a provocar deslizes, com as inevitáveis quedas. Cheguei a ver um participante a cair para uma cerca de arame farpado e eu próprio estive quase a ir em direção a uma vedação igual, depois de ter entrado com muita velocidade num banco de areia e de esta me ter provocado um despiste, em que andei aos ziguezagues, até me imobilizar perto do perigo.
Os trilhos de diversos tipos e dificuldades iam sendo percorridos e os quilómetros aumentando, assim como o calor e a nossa preocupação, era chegar ao 50 km, até ao meio dia, mas para isso acontecer, ainda tínhamos de chegar ao km 40, à barragem de Campilhas, e passar por mais um reforço, e que reforço.
Junto à barragem e perto da água, num descampado de terra, um enorme camião, revestido com a imagem do evento, uma enorme mesa de apoio e muitos voluntários com as t-shirts roxas da organização, iam distribuindo água em garrafões aos que iam chegando, enquanto outros voluntários entregavam as belas das sandes de carne assada, que faziam a delícia de todos, acompanhadas por copos de sumo ou água.
Não era preciso fazer fila, desesperar, ficar preocupado, nada disso mesmo, as sandes chegavam para todos e podiam comer as sandes que quisessem, houvesse barriga para tal, de forma que ainda sobraram sandes, distribuídas depois nos reforços seguintes, para quem regressou a Alvalade, desde Pôrto Covo.
Papo cheio, sede saciada e bidões cheios de água fresquinha, abalamos para a subida da serra em direção ao Cercal e aos tais 50 km, onde nos esperaria um novo reforço, isso mesmo, mais umo reforço, em tudo idêntico ao do km 20, apenas com uma diferença, um chuveiro de mangueira, que refrescava à chegada os participantes que desejassem tomar um banho refrescante.
As primeiras subidas, não foram nada difíceis, julgo que para a maioria dos participantes, muito menos para quem está habituado a outro tipo altitudes e com potentes máquinas, mas lá chegaríamos à subida difícil, a mais complicada de todo o percurso, a tal que vim a saber dias depois, só ter sido subida por um único participante, sem ter desmontado da sua “menina”, até ao cimo, onde uma placa nos dizia, “Pôrto Covo à vista”.
Ora todos sabem, se subimos, também descemos, e aqui também não foi diferente.
Ao avistar o mar pela frente, iniciamos a descida, que a juntar a uma outra, que viria da parte da tarde, foram as mais técnicas e de maior dificuldade, mas que se poderá dizer, nada de extremos ou perigosas.
Depois da descida, que se fez rápida, entramos num single-track comprido e sinuoso, também todo ele a descer, percorrendo um pequenino rasgo entre as ervas, onde era preciso estar atento, e o mais curioso é que não se ouvia ninguém falar, só se ouvia o trik-trik-trik, característico de algumas rodas, como a da minha bike e a do meu parceiro da frente.
O mar e a praia aproximavam-se e muita areia à mistura, nos estradões planos que ainda fizemos até desembocar perto de um forte, com a célebre ilha do Pessegueiro à nossa frente, onde paramos para algumas fotografias, antes de nos dirigirmos para o nosso destino.
O casario branco de Pôrto Covo estava finalmente à nossa frente, mas de repente como que por magia, desapareceu dos nossos olhares. E porquê?
Porque a entrada teria de ser diferente, teria de passar por um dos mais belos postais da vila alentejana, uma pequena praia, numa pequena baía, onde chegamos depois de uma boa descida até ao nível do mar e onde pedalamos na areia molhada.
Mais umas fotos para recordar este lindo local e toca a pedalarmos numa bela e recortada subida, onde alguma população nos saudava e o fotógrafo de serviço, registava o nosso esforço e a entrada triunfal na rua do Mar e ao fim da primeira parte da nossa aventura, os setenta quilómetros de Alvalade a Pôrto Covo.
No Largo do Marquês a azáfama era muita, mas estava tudo bem controlado e organizado.
De um lado os dos 70 Km, que acabavam ali o dia das pedaladas para se juntarem aos seus familiares para o almoço, depois das massagens e do banho tomado e no outro lado do largo, os que seguiam para os 120 km, retemperavam forças, deliciando-se com laranjas, bananas, barritas, sumos e água e também com massagens, passando pela assistência técnica às máquinas, com lubrificações, encher pneus, pequenas afinações, para depois rumarem a Alvalade, onde se integravam os aventureiros do Dar ao Ped@L.
O regresso a Alvalade
Enquanto uns já descansavam, outros aproveitavam as massagens, vimos betetistas que festejavam e dançavam e alguns a contas com o almoço, junto às arribas e desfrutando da brisa do mar, como o acampamento do grupo de BTT Tasca do Xico, com uma churrascada, que aguçava o apetite de quem por lá passava e só “cheirava” e ainda tinha 50 km pela frente, rumo a Alvalade.
Não posso precisar, mas deveriam ser duas da tarde, ou pouco mais e lá íamos nós, inseridos num pequeno grupo, no sentido Norte, dando as primeiras pedaladas, lentas por causa da areia, mas fresquinhos por causa dos ares marítimos, até nos afastarmos do mar e rumarmos de novo ao interior, de volta à terra, com passagens por herdades e de novo a apanhar troços com muita areia, na subida para as poucas eólicas, que encontramos no caminho.
Por caminhos junto a linhas de água, que atravessamos de vez em quando e com mais vegetação, que nos proporcionava alguma sombra, ultrapassamos alguns grupos de betetistas, que faziam também a volta e paravam para descansar, até nos aproximarmos de um novo reforço, ao km 80, na localidade de Sonega.
Debaixo de um pequeno alpendre, à fresquinha, lá estavam de novo as sandes de carne assada, as meias bananas e os quartos de laranjas, as barritas de cereais e mel, os sumos e a água para beber e encher bidões.
Com quarenta quilómetros ainda pela frente, lá fomos nós de novo a pedalar em direcção ao “inferno”, como lhe chamou a recepcionista do nosso hotel, deixando cada vez mais para trás, o “paraíso” de Pôrto Covo.
E não podia ser mais verdade, o calor aumentava, não havia vento, a insolação provocava-me dores de cabeça, mas o facto de saber que já tinha pedalado, muito mais de metade do percurso, era o suficiente para esquecer o quer que fosse e apenas pedalar, com o maior dos prazeres, rumo ao objectivo final.
Passamos de novo pela albufeira da barragem, uma zona muito bonita onde tiramos mais algumas fotos e ainda encontrámos mais um posto de assistência, antes de uma subida razoável, onde nas encostas pastavam vacas castanhas, que posavam para as fotos, por entre os rolos de feno, enquadrando assim um belo cenário.
No cimo do pequeno planalto, pedalando por um trilho de erva recentemente cortada, tínhamos uma das mais belas vistas, no interior alentejano, com toda aquela massa de água, enquadrada pelo dourado circundante e pontilhada aqui e ali, pelos rolos de feno, pelas vacas e por um ou outro sobreiro.
Eis que chega a descida mais técnica de todo o percurso e o único sítio que me lembre em que a terra era preta e, por estar seca, solta e a inclinação inicial ser bem acentuada, não me aventurei de inicio e apenas o fiz uns metros mais abaixo.
E, num continuo sobe e desce, de pequenos montes, sempre debaixo de sol, passamos por algumas pequenas herdades, algumas com vinhas e numa outra onde pastava um porco preto, solto e nada preocupado com a agitação de tantos ciclistas, pedalamos ainda numa longa recta em terra, por debaixo de uma linha de alta tensão, sempre com os postes por companhia, até que já fazíamos a subida de entrada em Vale de Água, ao km 97, onde mais um abastecimento nos esperava, com os alimentos do costume, a juntar a água gelada e a um chuveiro refrescante, montado na praça e à espera que um habitante local, abrisse a torneira, sempre que alguém desejasse, levar uma molhadela para arrefecer a temperatura corporal.
Aqui tirei mais umas fotos, ao moinho e à igreja, pintados de branco e com as tão características faixas em azul-cobalto, que são uma tradição em todo o Alentejo.
Já só faltavam os últimos 20 km, muitos deles em estrada de asfalto, ladeados com ninhos de cegonhas, alguns com as crias a espreitar e a esconderem-se, sempre que lhes apontávamos as máquinas fotográficas e ainda alguns largos quilómetros ladeando um extenso canal de irrigação, até ao último reforço, em Vale Vinagre, a oito km do fim, onde paramos para beber água fresca e conversarmos com elementos da organização, para felicitá-los, trocarmos opiniões sobre as nossas máquinas e pelo nosso grau de satisfação, pela aventura que estávamos a passar e quase a terminar.
Os derradeiros quilómetros, foram de novo na longa recta de asfalto, que de manhã tinha esticado toda aquela moldura humana de ciclistas, mas agora percorrida ao desafio, apenas por duas parelhas de amigos.
“Nós vamos ser, o primeiro e o segundo, para vós fica reservado o terceiro e o quarto lugar”, diziam os que nos acompanhavam, no troço final.
Chegados à meta, deveriam ser umas 17:15, satisfeitos e contentes por mais um feito cumprido, sem nenhum problema pessoal ou avaria técnica, apenas a necessitarmos, homens e máquinas, de um banho para nos refrescar e tirar o pó acumulado, ao longo do dia, nas planícies alentejanas.
Depois de banhos tomados e de umas imperiais fresquinhas, era hora de regressar ao Porto e de deixar a saudosa Alvalade, terminando assim um dia memorável de convívio de BTT.
A festa
Não há que enganar ou tentar outra definição, este evento, foi do princípio ao fim, a maior FESTA de BTT, onde participantes, familiares, organização, voluntários, população local e forças de segurança, fizeram os possíveis e alguns o impossível, cada qual na sua tarefa ou afazeres, para que a vontade de todos, em voltar nos próximos anos, seja maior que a saudade que deixam, na hora de regressar a casa, depois do dever cumprido.
Quem sabe se um dia lá voltaremos.
Nada ficou prometido, mas a vontade, essa ficou.
Pingback: 17.ª Edição Raid BTT Alvalade Pôrto Covo | Multo Amore
Espectacular, uma crónica excelente..
Obrigado Oliveira.
Um abraço.
Um bom relato de uma aventura não menos fantástica. Parabéns aos dois e a ti pela crónica. Abraços.
Obrigado amigo Tomé.
Um abraço.
Boa crónica, só é pena não poderem participar outros elementos do Dar ao Ped@ neste tipo de eventos. a tua descrição deu para termos uma ideia daquilo pelo que passaram. Um abraço amigos, continuem sempre com essa força.
Obrigado Mascarenhas.
A vida é mesmo assim, hoje posso eu, mas amanhã, quem sabe, talvez tu e outros se possam juntar às nossas aventuras, fora de portas.
Tu sabes que estamos sempre à espera que isso aconteça.
Um grande abraço, amigo.