16 de Setembro de 2011
Mal dormidos, um pouco pelo calor que emanava no quarto do albergue, com todas as suas camas ocupadas e sobretudo por causa das badaladas dos sinos da igreja, mesmo ali ao lado, ainda tivemos que levar com a alvorada luminosa e sonora, provocada pelo Oliveira, que madrugou e de que maneira, com pressa de partir e enfrentar, qual D. Quixote de La Mancha, os moinhos de vento, diga-se antes, nesta aventura, os tormentos da Labruja.
Mas valeu bem a pena, o cedo erguer, pois de outra forma não teríamos assistido ao encanto de uma belíssima Ponte de Lima às sete da manhã, com uma suave neblina, que nos proporcionou as mais belas fotos de paisagens de todo o nosso caminho a Santiago.
Matabicho no papo, que é como quem diz, prontos de estômago para continuar o caminho, eis os cinco do Dar ao PedaL, de novo a seguir as setas por estradas de paralelos, de pedra e caminhos de terra nos mais diversos estados, até à nossa primeira paragem do dia, para o já célebre cafezinho e o carimbo da ordem.
O local escolhido, foi o bar Riba Rio, local aprazível com zonas de lazer e pesqueiros para quem faz da pesca o seu passatempo, localizado no meio do nada, isto é, inserido na natureza sem nenhuma civilização em redor.
Bem, cafés tomamos mas quanto a carimbos, nada, não havia tinta e por mais força que fizéssemos na almofada, eles nunca surgiram.
Desculpas dadas pelo facto de a gerência ter mudado e ainda não ter tido tempo para tratar destes pormenores, esperamos que o Vítor acabasse a sua obra à Porto e ficasse mais leve e seguimos novamente caminho.
Entre campos, vinhas, matas, fomos seguindo as setas e parando para fotografar tanto os pedalistas como este ou aquele ponto de interesse, até que, muito por causa da sua veia de fotógrafo em andamento, o Oliveira deu o seu primeiro trambolhão, num pequeno e inclinado carreiro de terra entre arbustos, daqueles que picam e dos quais não sei o nome.
Emaranhado com a sua namorada nova, todo torcido, com arranhadelas, hematomas no ombro mas com tudo o resto no sítio, nada que o impedisse de pedalar e apenas aborrecido por ter-se estreado nos tombos, seguimos novamente viagem até à nossa próxima paragem, o Café Nunes no lugar da Revolta, para mais uns carimbos e reabastecimentos de água e bebidas energéticas, o nosso doping.
Já refeitos do susto da queda do Oliveira, levamos com outro ainda maior, que quase ia fazendo com que o Vítor tivesse que voltar atrás, ao local onde deixara obra.
Não é que a credencial do Vítor não aparecia, tivesse ficado esquecida no balcão do Riba Rio, ter que se lá voltar, ir de táxi, “de bicicleta chega-se lá num instante”, dizia a senhora do Revolta, chamada para 93, chamada para 96, até que, o salvador Mário Dantas a encontrou junto com as suas, a com carimbos e a de reserva.
Tinha-a apanhando a do Vítor no balcão e nem deu fé que passou a três credenciais.
Foi o destino que assim quis e mais uma vez não passou de um grande susto que estremeceu e de que maneira o senhor Godinho mas que lhe deu ainda mais alento para o resto da viagem e forças nas canetas, para o que se aproximava cada vez mais de nós – a terrível Labruja.
Fomos subindo, subindo, é agora, não ainda não é, até que finalmente, agora sim, temos que carregar as nossas bikes aos empurrões e às costas, por meio de pedregulhos, rasgos profundos na terra e nas pedras, de tantas e tantas aventuras e Invernos, e dobramos a Labruja com muito suor e dispêndio de energias, quais Bartolomeus Dias, perante as tormentas do Bojador.
Se o cabo se tornou Boa Esperança, a serra tornou-se da Ajuda tal foi a garra e a entreajuda com que a enfrentamos até a darmos por VENCIDA e, na Cruz dos Mortos, ou dos Franceses, disso deixámos prova, tal como os marinheiros portugueses de antão, içavam padrões em glória aos seus feitos.
A Labruja, foi e será sempre, nos moldes actuais o percurso mais difícil de todo o Caminho Português a Santiago, quer o peregrino se desloque a pé ou como nós, de bicicleta.
Do cimo, após um breve descanso, toca a pedalar que o tempo foge e mais há frente, após mais uma ou outra descida, uma ou outra subida irá surgir uma fonte que a todos matará a sede, a fonte da Água Longa.
Dizem os entendidos (Mascarenhas e Oliveira) que se trata de uma válvula de descarga, uma purga, eu sei lá, certo certo, é que por um pequeno furo, corre um fio de água, que a todos nós refrescou e permitiu reabastecer cantis de água fresca “Del Cano”.
Daqui em diante, a descer por entre caminhos e estradas, na bacia do rio Minho e em direcção ao Vale do Coura, passamos por Água Longa, Rubiães onde encontramos o seu albergue ainda fechado e sem direito a carimbo e voltamos a parar, desta vez em Paredes de Coura, para mais um reabastecimento e mais carimbos, num estabelecimento mercearia/café/tasca, à moda das nossas aldeias.
De novo em cima das nossas “meninas”, fomos subindo, agora de uma forma mais suave até chegarmos a S. Bento da Porta Aberta, paramos mais uma vez, tentamos a nossa sorte no Euromilhões e ganhamos mais uns carimbos para as nossas credenciais, o décimo quinto carimbo até então.
De S. Bento da Porta Aberta até às portas de Valença do Minho, onde almoçamos nesta segunda etapa, nada houve de muito significativo a não ser pedalar pelos mais diversos caminhos, cruzarmo-nos com peregrinos a pé (em todo o caminho, nunca nos cruzamos com outros peregrinos de bicicleta) e darmos de caras com um fulano numa motoquatro, num carreiro entre vinhas e vindimas.
Com umas doses de churrasco misto nas nossas barrigas, já que peixe não puxa bicicletas, fomos deixando Valença para trás, incluindo o albergue também encerrado e sem carimbo e atravessamos o rio Minho na ponte internacional e recebidos com um Bienvenido a España, entramos em Tui e em terras de “un canto a Galicia“.
Era hora de siesta em Tui, a Catedral estava fechada e nem nos demos ao trabalho de ir ao albergue, passamos o famoso túnel das Clarissas e por mais uns poucos monumentos de índole religioso, todos fechados, passamos ao lado da ponte da Veiga, local onde tiramos mais umas belas fotos e entramos num dos mais bonitos percursos do Camiño, a passagem pelo vale do Louro, onde se situa um cruzeiro que assinala o local onde faleceu S. Telmo.
Atravessamos ainda mais uma ponte, onde galegas guapas, jardineiras de serviço, limpavam o mato do caminho, paramos mais uma vez para fotografar e até cantar (falta-nos ver o vídeo desta proeza) e um pouco depois, chegamos à Asociación Cultural “A Lagoa”, em Budiño, que apesar de fechada, tem à disposição dos peregrinos um carimbo com um patinho e água para beber e refrescar.
Do mais bonito, passamos ao mais feio, que foi atravessar a longuíssima recta da zona industrial de Porriño, com tudo de feio que se lhe pode acrescentar, trânsito, ruído, poluição e maus cheiros, travessia apenas compensada por mais uns carimbos que obtivemos já dentro de Porriño, de uma simpática galega, na sua bocatería Simplicio, mas que pôs em questão, se não era trampa, o facto de eu estar a pedir três carimbos, enquanto o Oliveira buscava uma Loja de Chinos e o Mascarenhas disparava mais umas fotos.
O nosso destino inicial, para término desta etapa, era Pontevedra mas, pelo adiantar da hora adoptamos a ideia de ficarmos em Redondela, isto é, se conseguíssemos chegar a tempo e horas de arranjar alojamento.
Saímos de Porriño, passamos pequenas localidades, quase sempre por bons caminhos até que chegamos a mais um albergue, o de Mos, com a indicação de que os carimbos se obtinham na mercearia em frente. Foi o que fizemos.
Este albergue, já se situa numa subida, para seguirmos caminho com destino a Redondela, ainda temos que subir muito mais, primeiro uma estrada empedrada e depois uma outra asfaltada, bem inclinada e longa e, para poupar esforços, todos nós as fizemos com as nossas bikes pela mão.
Chegados ao cimo, demos com uma localidade em fim de festa mas ainda com as iluminações festivas, decoradas com para-quedistas, sinónimo daquilo que aos cinco nos pareceu, que ali tivéssemos caído de para-quedas e não vindos de bicicletas.
Trocadilho à parte, fomos quase sempre descendo até Redondela, onde chegamos já muito perto das oito horas espanholas, ao seu albergue e, cheios de sorte, ficamos com as últimas cinco camas e com os cinco únicos espaços disponíveis para estacionar as nossas bikes.
O albergue é pequeno, possui duas alas para dormidas no piso de cima, dispõe de beliches muito chegados entre si, disponibiliza lençóis e almofada descartáveis a todos os peregrinos e balneários masculino e feminino em boas condições e tem no piso inferior um cozinha, um wc e uma sala de estar com um pequeno auditório.
Mais uma vez, após os registos efectuados, pertences arrumados e banhos tomados, saímos todos iguais, qual equipa em estágio e fomos tratar de jantar à pressa, desta vez uns combinados espanhóis, pois tínhamos que entrar no albergue antes das dez da noite mas com a possibilidade de se puder permanecer no rés-do-chão a conversar até o sono nos pedir cama.
E foi mesmo isso que nos aconteceu, cansados e com sono, fomos todos para os nossos aposentos, desta vez separados.
O Oliveira ficou na zona mexicana, eu no sul de Espanha pois por cima de mim, tinha um casal de espanhóis à procura do Norte, o Mascarenhas acho que ficou com o Norte mas da Europa e o Vítor e o Mário, perto do Alentejo, calmo e tranquilo.
Aqui termina a segunda etapa.
Amanhã temos a última, a Santiago com toda a coragem.
Valdemar Freitas
(António Oliveira, Emanuel Mascarenhas, Mário Dantas e Vítor Godinho)
Companheiros
Aqui fica o meu relato, da forma que eu o vivi, da segunda etapa a Santiago.
Abraço,
Valdemar
Meu amigo!!! és de facto único….. com que então “alvorada luminosa e sonora, o primeiro tombo, zona mexicana”.. muito bem.
Continua, estás no bom caminho.
Um abraço
Espectacular amigo Valdemar. Esta crónica faz-nos reviver os bons momentos passados e os duros obstáculos que conseguimos vencer em conjunto (as árduas subidas, as quedas)! Não sabia do pormenor dos balneários femininos em Redondela! Um abraço
Onde tomei banho, só vi homens, por isso deduzo que tinha separação de géneros. Eh eh eh…
Só vocês para me fazerem rir…
Valdemar tens o dom da escrita… o Mário chegou a dizer para eu fazer a 2ª etapa, mas eu não conseguiria… explicas muito bem, fazes reviver cada momento quando lemos o texto… e ao mesmo tempo fazes rir nnn vezes pelas diversas situações que outrora nos fizeram ficar preocupados e mais tarde nos fizeram rir da situação, como o caso dos trambolhões e da credencial…
Até te lembraste da “obra” que deixei no café da manhã… lolololololol… que me aliviou bastante… caso contrário teria que o fazer na Labruja… algures entre grandes subidas e muitos calhaus…
O Oliveira, naquela manhã em Ponte de Lima estava ao rubro… o albergue mais parecia uma discoteca e quando deixou cair não sei bem o quê ao chão… foi o delírio total.
Parabéns Valdemar pelo texto e pelo trabalho que tens tido com o blog, que está a ficar cada vez mais rico…
Abraços para todos.
PS: Hoje já me ri imenso e já reli por 3x o texto todo… e cada vez que o leio volto a rir-me… demais mesmo…
Se não for pedir demais… força para o relatório da 3.ª etapa…
E não esqueças que embora no 4.º dia não tenhamos pedalado praticamente nada (apenas do albergue para a Estação de Comboios de Santiago e do Comboio para casa), é também um dia digno de relato… não esqueçamos as figuras que fizemos na Estação de Vigo, as manias da funcionária da Estação de Santiago, o fulano que viajou ao lado do Oliveira, as amigas que o Mário e o Valdemar conheceram no comboio, os amigos que fizemos de Setúbal… o comboio vazio que chegou ao Porto ao rubro… totalmente cheio… estou certo que te lembrarás com maior detalhe de outros momentos e explicar os que aqui enunciei…
VG
Um grande lololololololololololololololololololol… à lanterna do Oliveira na alvorada da manhã de Ponte de Lima e à Zona Mexicana de Redondela…
eheheheheheheheheheheheheheh …. e não me consigo parar de rir… já tenho o pessoal a olhar para mim… a dizer que também se querem rir… e eu já disse que foi uma anedota que recebi…
eheheheheheheheheheheheheheh….
lolololololololololol