17 de Setembro de 2011
Saímos de Redondela, pelas 8 horas espanholas, depois de termos tomado um pequeno almoço numa pastelaria bem perto do albergue, onde alguns espanhóis ainda ressacavam a noitada de sexta para sábado, bem bebidos e fumados.
Nas ruelas que circundam o albergue, tivemos o primeiro percalço, o Mascarenhas tinha um pneu em baixo. Não sabendo se seria furo, o Oliveira deu umas “bombadas” que aguentaram o pneu até à estação de serviço, logo à saída de Redondela, aproveitando aí, quase todos nós, para também verificarmos a pressão dos nossos pneus.
De volta a estrada, demos um pouco à frente, pela falta das nossas “guias”, as indispensáveis setas amarelas que nos vinham orientando, desde a Sé Catedral do Porto. Desfeito o engano, com a indicação que mais à frente encontraríamos novamente o Bom Caminho e as setas, não nos livrando de ter que subir uma muito íngreme subida, com as nossas amigas bicicletas pela mão.
Por essa subida acima, fomos encontrando peregrinos a pé, que tinham pernoitado connosco no albergue de Redondela e que tinham saído bem mais cedo, como foi o caso das senhoras oriundas de países do Leste da Europa, com muito andamento, neste tipo de peregrinações.
Do cimo, tomamos uma estrada em terra, plana de início e depois em descida, que nos iria levar a descobrir das mais belas paisagens do caminho, em terras de Espanha, a vista das rias junto a Pontevedra. Com vista, para a ria, surge-nos, mais ao menos a meio da descida, mais um local onde os peregrinos deixam recordações à sua passagem, desta vez, em forma de um “estendal” de cordas onde cada um pode deixar, uma vieira, uma foto ou postal, um boné e muitos outros tipos de objectos.
Depois de mais umas fotos individuais e do grupo, fizemos-nos ao caminho, até à estrada em asfalto, que julgo ser a N550, que por diversas vezes, atravessamos ou percorremos por pouco tempo e que é a estrada nacional que vai até Santiago.
Logo no início do asfalto, mais um contratempo, o Mascarenhas tinha um furo na roda de trás. Com a boa vontade de todos, mas diga-se de verdade, apenas com o esforço/experiência do Oliveira, logo se despachou o problema e toca mas é a pedalar, pois o nosso destino ainda está por alcançar.
De novo a seguir as setas, uma atrás da outra, passamos por Arcade (famosa pelas melhores ostras da Galícia), por entre um aglomerado de ruelas até que chegamos à ponte de Pontesampaio, lugar muito bonito e com direito a paragem obrigatória para as fotos do costume, mas sem tempo para nos deliciarmos com a famosa cidra de caña.
Atravessada a ponte, voltamos às subidas, por entre ruelas muito íngremes, com direito a ter que levar as nossas meninas pela mão. Por falar em meninas, foi por esta altura, que passamos pela mexicaninha. Já não te lembravas disto pois não Oliveira, mas eu recordo-te que foi a última vez que a viste.
Logo de seguida, atravessamos uma ponte situada mesmo ao lado de uma outra romana mas sem condições e entramos numa calçada romana/medieval sem condições em grande parte do seu percurso, para que pudéssemos pedalar.
Assim que pudemos voltar a sentar-nos em cima nas nossas bikes, fomos vencendo caminho até que fizemos uma paragem junto à Capela de Santa Marta, em Bertola e onde tínhamos à nossa disposição, mais um carimbo, para as nossas credenciais.
Daí até Pontevedra foi um tirinho. Aí chegados, fomos tomar os nossos cafezinhos da praxe, a um café junto à estação dos comboios, com direito a churros a acompanhar os cafés, mais carimbos e reabastecimento. Pontevedra, num sábado de manhã pelos menos, tem muita gente a percorrer o seu lindíssimo centro histórico e pode-se mesmo dizer que já é uma cidade média com agitação urbana, de que gostei particularmente e que um dia hei-de lá voltar.
A nossa ideia era ir almoçar a Caldas de Reyes e por isso passamos fugazmente por Pontevedra, mas ainda assim com diversas paragens para muitas fotos, pelo menos até atravessarmos a ponte sobre o rio Lérez.
Até Caldas de Reyes, todos os caminhos são quase na sua totalidade fáceis de fazer, de diversos tipos mas todos muito interessantes e a convidar o viajante a uma paz com a natureza, tal a sensação de sossego que transmitem.
A meio do caminho, fizemos um pequeno desvio para conhecermos as cascatas do Parque de Ria Barosa e tirar mais umas fotos num lugar muito aprazível mas um bocado desgastado pela época do Verão que à pouco terminara e que deixara rastos de mau ambiente.
Assim que chegamos a Caldas de Reyes, dirigimo-nos primeiro à igreja com o intuito de colocar os carimbos mas, tanto a igreja como o albergue de Caldas de Reyes, estavam fechados e nada feito.
No entanto, não ficamos tristes, porque de seguida, tivemos uma grande experiência, sensação, nova para todos, excepto para o Mário, que foi o de molharmos os pés, muito cansados por sinal, na água quente da Fonte das Burgas. É mesmo uma água termal muito quente, que faz com que não se aguente muito tempos os pés dentro dela, mas que a todos nos proporcionou, dos mais belos momentos de descontracção de todo o caminho.
Reconfortados, de pés lavados e descansados, fomos à procura de restaurante para almoçar, seguindo uma vez mais indicações no nosso guia, para as coisas da boca e da barriga, o Mário Dantas, bom conhecedor do melhor que os espanhóis nos poderiam servir.
E assim foi realmente, tivemos o nosso melhor almoço, em terras espanholas, no restaurante- hotel Lotus, com direito a aparcamento das bikes na garagem do hotel, a uns empanados de porco, de presunto e de fiambre, salvo erro, e ao melhor de tudo, um grandiosíssimo Caldo Galego.
Mas que espectáculo de caldo, saboroso, peitoral, energético, eu sei lá que mais, uma maravilha, a que todos nos rendemos.
Posso mesmo afirmar, também na opinião de todos, que melhor que o caldo galego para a barriga, só mesmo os cintos espanhóis, das espanholas, mas esses, com efeitos nas nossas vistas, que os olhos também… comem e há, quem tenha sempre, mais olhos que barriga.
Com a barriga cheia e os olhinhos felizes, fomos buscar as nossas bikes para nos fazermos de novo ao caminho mas, primeiro tivemos que resolver mais um imprevisto, que foi ter que trocar novamente a câmara de ar da bike do Mascarenhas, que essa sim, não havia maneira de ficar cheia.
Esta estória do vazio-cheio-vazio-cheio, ainda vai ter mais cenas, e que cenas.
De novo ao caminho, agora pela Calle Real e de seguida por estradas de terra até entrarmos num percurso inesquecível entre prados e bosques, lá fomos nós pedalando, sempre entregues à pródiga natureza, fotografando aqui e ali, filmando o Mascarenhas, com a sua máquina incorporada no capacete , dos mais bonitos clips da nossa aventura.
Foi por essa altura, que demos pelo atraso do Oliveira, que nos disse que tinha ficado para trás, para fazer uma paragem técnica e apertar o cadeado.
Mas o menino Oliveira mentiu-nos, tinha sim, tido uma indisposição, segundo ele provocada pelo esforço que fizera, logo após o almoço, a dar à bomba, para encher a câmara do Mascarenhas, tendo mesmo chamado pelo gregório (vomitado) e ficado com a barriga vazia e sem o bendito caldo galego.
Mas nada abala o homem do Norte, muito menos a “Oliveira forte e dura de roer” e a prova disso é continuar a pedalar, não dando sinais de fraqueza, cansaço, desânimo, antes pelo contrário outros sinais, e que sinais.
Como dizia o outro, “vós sabeis do que estou a falar”, e o momento que proporcionou, a meu ver, a nossa melhor foto de grupo, teve outros sinais.
Sinais sonoros, musicais, de gargalhadas e sorrisos, de risotas até às lágrimas, de aromas, tudo isto junto a uma pequena ponte de madeira, enquanto o grupo sentado num banco e com o tripé montado, tira mais uma foto, muito feliz e… gaseado, quem sabe, pelo bendito caldo galego.
Refeito dos efeitos, que só bem lhe fez (a alegria é a melhor energia), o grupo voltou a pedalar com muita mais vontade e com toda a genica de atingir o seu grande objectivo desse dia – chegar a Santiago.
Mas pelo meio, ainda teríamos que passar Pontecesures e chegar a Padrón, local onde se diz que aportou a barca com o corpo de S. Tiago e o padrão, onde foi amarrada a barca e que deu nome à cidade.
Em Padrón, visitamos a igreja de S. Tiago, vimos o já referido padrão que está no altar da igreja e procedemos à cerimónia de atirar moedas, tentando que as mesmas fiquem no cimo do padrão, numa concavidade e que não caiam, para o fosso, onde estão aos milhares.
Aqui, aconteceu mais uma peripécia nada agradável e que aconteceu inadvertidamente. No altar, cruzavam-se vários peregrinos, uns efectuando a cerimónia anteriormente descrita, outras escutando as explicações de uma guia turístico e outros fotografando, como era o caso do Vítor, que sem querer, penso que tocou ao de leve, com a mochila que trazia às costas, no suporte para livros abertos, utilizado para a leitura de homilias, durante as missas e outros rituais religiosos.
Nada de anormal aconteceu ao referido suporte pois este deveria estar em bom estado e ser de boa construção, mas foi um grande estrondo e mais um susto para o Vítor, que ficou muito nervoso e só se viu mais descansado, quando obteve o sello, muito bonito por sinal, e se viu fora da igreja, pronto para seguir caminho a Santiago.
Seguimos uma vez mais a N550, depois de termos passado por Iria Flavia e entramos depois num curioso labirinto de pequenas localidades que se sucediam umas atrás das outras, tendo pelo meio vinhas e campos até surgir novamente a N550 que deixamos quando viramos para Teo.
Daqui em diante, fizemos estradas secundárias, estradões, caminhos de terra, uns mais largos, outros mais estreitos, com subidas e descidas mais ou menos acentuadas, até que vimos pela primeira, as torres da Catedral de Santiago, local de referência para todos os peregrinos, a uma distância de sensivelmente quatro quilómetros.
Foi por esta altura, que detectei que a minha bike tinha um pequeno grande problema que me impedia de seguir a direito e que a cada pedalada que dava, tinha que corrigir a direcção. Fui assim mesmo até ao final e nada me impedira de lá chegar, nem que fizesse os últimos quilómetros com a bicicleta pela mão ou às costas, eu haveria de lá chegar.
Descemos o asfalto, atravessamos um viaduto sobre a linha do comboio até que chegamos a um local, onde se tem que escolher, qual a subida que se pretende fazer, para chegar à catedral.
Para a esquerda, sobe-se até à catedral, pela estrada que passa junto do hospital, mas diz-se que este não é o verdadeiro caminho português, que o original, é o que segue pela direita por um caminho de terra e que nos leva até bem perto do centro histórico.
A opção que tomamos foi a de seguir o caminho português original, já que o vínhamos fazendo desde o Porto e de nos concentrarmos no início da subida final, que nos levaria à praça do Obradoiro, para que este último trecho da nossa aventura ficasse registado na câmara do Mascarenhas.
Foi o que fizemos, mas com tanta vontade de chegar, a ansiedade apoderou-se de todos, que penso que já ninguém via setas amarelas e apenas seguia o caminho por instinto ou por conhecimento de outras idas a Compostela, que significa campo de estrelas, estrelas que iluminaram, tanto o caminho como os peregrinos de outrora, como o nosso caminho e os elementos do Dar ao Ped@L.
Não sei se passamos a porta Faxeira, entrada tradicional do Caminho Português, penso que não e, também é certo que não seguimos toda a rua de Franco, que nos enganamos e que fomos dar às traseiras da catedral, mas, depois de corrigido o engano, entramos finalmente na praça do Obradoiro e agradecemos a Santiago por nos ter dado Caminho Bom e termos chegado sãos e sem problemas ao nosso destino.
Foi com muita alegria, que nos abraçamos e felicitamos pelo feito alcançado, que ligamos para as nossas esposas a comunicar que tínhamos chegado a Santiago e que fizemos todas as fotos e filmes, com a catedral como fundo.
Não há palavras que melhor descrevam estes momentos, que vivemos numa praça cheia de peregrinos e de outras gentes, das mais variadas origens, num sábado em final de tarde, do que as que a seguir se descrevem…
“fazer este caminho, foi certamente a maior aventura das nossas vidas.”
O principal estava feito, faltava arranjar albergue para nos alojarmos em Santiago e no dia seguinte irmos visitar a Catedral, abraçar o santo, irmos à Oficina do Peregrino obter a Compostela, documento em latim que comprova que fizemos o caminho a Santiago e comprar algumas lembranças para os familiares.
Ficamos bem hospedados num albergue particular, o La Salle, jantamos muito bem no restaurante La Bodequilla de San Roque e, após uma volta pelas ruas típicas do centro histórico, que circundam a belíssima catedral e outros monumentos, fomos descansar e sonhar com tamanha aventura.
Amanhã é outro dia e o regresso a casa.
Bravo, companheiro e grande amigo….. excelente trabalho.
Falta só um pequeno pormenor, inserir a foto da lista dos carimbos….
Um abraço