24 de Março de 2012
Introdução
A convite do ARCM – Alto Relevo Clube de Montanhismo de Valongo, do qual sou associado e elemento activo em algumas actividades organizadas por este clube, sobretudo as caminhadas em percursos do tipo PR (pequena rota), debaixo da alçada da secção de Trekking, participei no evento denominado BTT – Vila Real – Chaves – Vila Real, realizado no passado fim-de-semana de 24 e 25 de Março, sendo o percurso efectuado na antiga linha de comboio da CP – Linha do Corgo, actualmente desactivada e com alguns troços já transformados em ciclovia e na Ecopista do Corgo, entre Vila Pouca de Aguiar e Pedras Salgadas, inaugurada oficialmente a 16 de Agosto de 2008.

No esquema ao lado, podemos ver parte do traçado da antiga Linha do Corgo, actualmente transformada em ciclovia, com zonas ainda em terra batida e outras já em asfalto (antes de Tourencinho, no sentido Vila Real-Chaves e antes de Vila Pouca de Aguiar, no mesmo sentido) e em Ecopista com piso em cimento, entre Vila Pouca de Aguiar e Pedras Salgadas.
Há também, à saída de Pedras Salgadas e até um pouco mais a diante do antigo apeadeiro de Sabroso, um extenso troço de ciclovia em asfalto, na quase totalidade composto por uma comprida recta.
Em todo o restante percurso, podemos encontrar a terra batida, piso de terra com alguma pedra e ainda um troço com bastante cascalho que servia de lastro às antigas travessas da linha de comboio.
Fomos no total 14 participantes a pedalar e mais 3 elementos que à partida apenas nos iriam acompanhar mas que viriam a ser de apoio e bem fundamentais à nossa aventura e por isso mesmo, todos nós agradecemos à Ana Araújo, ao Costa e ao miúdo Bruno que os acompanhava.
Quanto aos pedalistas, aqui vão os nomes (ordem alfabética) dos grandes aventureiros que por terras de Trás-os-Montes, deram ao pedal com muita energia:
António Oliveira, Beatriz Silva, Carlos Mendes, Catarina Assunção, Elisabete Magalhães, Fernando Pereira, João Peixoto, José Silva, Magda Varandas, Patrícia Silva, Pedro Pires, Sérgio Guimarães, Tiago Costa e Valdemar Freitas.
Pedalamos ± 140 km, por zonas rurais, montanha e atravessando localidades por onde passava a antiga Linha do Corgo, como por exemplo, Tourencinho, Vila Pouca de Aguiar, Pedras Salgadas ou Vidago, entre outras pequenas localidades, onde se situavam pequenos apeadeiros.

Pormenor do horário de 1989 - Linha do Corgo
É de uma enorme tristeza a situação de abandono e a destruição da quase totalidade dos apeadeiros e de algumas estações, nalguns casos de bradar ao céus, apenas escapando ao vil vandalismo, as estações que situam bem no centro das localidades e a do Tâmega, que actualmente é uma propriedade privada e onde se pode ver algum material circulante, como velhas carruagens e uma antiga máquina a vapor.

Antiga máquina a vapor na Estação do Tâmega
Do mal o menos, se é com grande tristeza que vemos um pouco por todo o país, desaparecerem linhas de comboio, sobretudo no interior do país, num desrespeito total pelas gentes e locais que delas necessitavam, apenas com o fundamento de não serem financeiramente viáveis, valha-nos ao menos o aproveitamento e a transformação de algumas dessas linhas em ecopistas e ciclovias.
Perdem os amigos dos comboios, ganham os amigos das caminhadas e das pedaladas.
Feita a introdução, vou iniciar o relato do que foi um belo fim-de-semana entre amigos, num salutar convívio que a todos nós agradou, apesar de uma ou outra adversidade, compensada em muito, pela entre-ajuda e espírito de companheirismo do grupo, que se soube unir em todos os momentos, nos bons e nos menos bons.
Valongo – Vila Real
Partimos de Valongo já com algum atraso e tal não era de admirar, pois carregar todo o equipamento necessário para a estadia em Chaves, como as tendas, os saco-camas, as mochilas e outros materiais no carro que iria até Chaves e ainda conseguir encaixar 14 bicicletas (algumas desmontadas mesmo) nos restantes três veículos que nos levariam até Vila Real, não foi tarefa nada fácil nem muito menos rápida.

Mas lá conseguimos e seguimos viagem com a finalidade de arribarmos a Vila Real o mais cedo possível, onde já nos esperavam o Pedro, o Fernando e o Costa e de onde desejavamos partir, por volta das 10:00 horas, depois de todas as bicicletas montadas e de pequenas mochilas às costas, com destino a Chaves.

Vila Real – Chaves
O atraso até nem foi muito e meia-hora depois do previsto, com a ameça de uma fraca chuvinha à partida, lá iniciamos as pedaladas, atravessamos Vila Real, passamos a ponte sobre o Corgo e tivemos que subir (e que subida para começar) até ao local onde encontramos o trilho que iríamos percorrer da Linha do Corgo, à entrada do local chamado Bouça da Raposa.



Optou-se por iniciar o percurso neste ponto e não na Estação de Vila Real, porque a parte citadina da antiga Linha do Corgo, dentro de Vila Real, tem partes vedadas e outras já integradas na urbe, segundo explicações que o nosso guia nos forneceu.
O primeiro troço, até perto do apeadeiro da Cigarrosa (quase imperceptível), ainda nos arredores de Vila Real, tem partes em que o ambiente é rural e outras com muita vegetação a ladear a antiga linha do comboio de via estreita, como por exemplo a zona em que de ambos os lados nos deparamos com as acácias floridas num colorido amarelo, em forma de túnel.

Estes senhores, a construirem um muro perto do apeadeiro de Cigarrosa, prometeram que na volta de Chaves, estaria por lá uma roulote, onde poderíamos degustar umas belas bifanas.
Teriam vindo a calhar, mas nem o cheiro sentimos.

Os campos que ladeiam a linha, agora não cultivados e as acácias floridas, são dois exemplos de espaços naturais e paisagísticos que encontramos em todo o percurso e que só por si, são dos principais atractivos a que conheçamos este belo percurso em Trás-os-Montes.

Deste apeadeiro em diante, perto de uma pequena pedreira, entramos já em zona de montanha, com muito menos vegetação e com o piso em terra com alguma pedra solta, mas nada que atrapalhe uma bicicleta de montanha.


Seguindo viagem, sempre com bonitas paisagens à nossa esquerda e, contornando alguns montes sempre em plano com muito pouca inclinação, forma da linha de comboio vencer os obstáculos para que não tivesse grandes descidas ou subidas, fazendo um ou outro desvio, devido ao corte da linha por novas estradas e auto-estradas, chegamos ao apeadeiro de Fortunho, onde tiramos a foto de grupo com todos os pedalistas.

- Foto de Grupo tirada pela Ana Araújo e emoldurada pelo António Oliveira
Seguindo a nossa viagem por zona de montanha, sempre com bonitas vistas e com o percurso a atravessar zonas rochosas e de menos vegetação, deparamo-nos com mais um edifício em estado de degradação, a estação da Samardã.

Foi mais ou menos a partir daqui, que nos apareceram, as setas amarelas, que indicam o Caminho a Santiago, sinalética já conhecida por muitos de nós e que faz parte do caminho de Viseu a Chaves, recentemente marcado para orientação dos peregrinos a Compostela.

Um pouco mais à frente, seguindo sempre em terreno de terra batida, mais largo do que até então, e após passarmos uma velha casa em ruínas à nossa esquerda, surgir-nos o primeiro asfalto em terreno que era da antiga linha de comboio e que agora é um pedaço da ciclovia do Corgo. Este percurso asfaltado recentemente, tem já uma inclinação que proporciona maior velocidade de andamento e a outras coisas como as quedas, que todos queremos evitar por todos os motivos e mais um.

Mas, o desejado nem sempre é o esperado, e, já praticamente em plano e tendo Tourencinho à vista, acontece-nos o primeiro percalço, a queda do João, bastante aparatosa e a provocar-lhe alguns ferimentos que o levaram, primeiro ao Centro de Sáude e depois ao Hospital de Vila Real e que infelizmente o impediram de continuar connosco e a ter que regressar a casa.
Estas chatices, podem acontecer a qualquer momento e é nestas alturas, que damos o devido valor à entre-ajuda e que agradecemos pelo facto de termos, um carro de apoio, a Ana Araújo e o Costa, que foram impecáveis no apoio ao João, contributo que não nos cansamos de agradecer e que nunca esqueceremos.
Agradecemos também ao José Silva e ao Carlos Mendes, que regressaram a Vila Real de bicicleta, e aí permaneceram até que tudo com o João ficasse resolvido, tendo depois ido até Chaves de carro, e que, dessa forma permitiram que o restante grupo continuasse a pedalar até Chaves.
Depois do “abanão”, chegamos a Tourencinho e aproveitamos esta localidade que em tempos era integralmente atravessada pela linha férrea e que actualmente vê passar as bicicletas em vez dos comboios, para um retemperador abastecimento e para os cafézinhos. Tourencinho é uma terra muito bonita, com muitos motivos de interesse e locais a visitar e a calcorrear em percursos pedestres.


Tourencinho, localidade a visitar e a conhecer com mais tempo.
A tarde já ia um pouco alta e ainda havia muitos quilómetros por percorrer, pelo que era preciso pormo-nos a caminho de Chaves para lá chegarmos ainda de dia. Fizémos-nos ao caminho já de novo em terra, desta vez com muito buracos, em algumas partes devido a obras de instalação de infra-estruturas de esgotos, sempre entre campos onde pastavam ovelhas, burros e vacas, até que chegamos ao apeadeiro de Zimão.


Ainda em terra, passamos pelo apeadeiro de Parada de Aguiar, onde agora funciona uma oficina de reparação de motas e bicicletas e um pouco mais à frente, logo após uma pequena ponte em ferro sobre um ribeiro e nas imediações de um altíssimo viaduto/ponte da auto-estrada, entramos novamente na ciclovia em asfalto que nos haveria de levar até à entrada de Vila Pouca de Aguiar.

<– Apeadeiro de Parada de Aguiar

A ciclovia de Parada de Aguiar a Vila Pouca de Aguiar –>
Em Vila Pouca de Aguiar, no lugar da linha existem agora rotundas e estradas mas a antiga estação ainda lá está e bem conservada, talvez adaptada a outras funções que não a de ver partir e chegar passageiros.

A nossa passagem por Vila Pouca, por isso mesmo, foi rápida. Logo à saída da vila, encontramos a já referenciada Ecopista do Corgo, que daqui parte até à estância termal de Pedras Salgadas.

Esta ecopista, no sentido Vila Pouca de Aguiar – Pedras Salgadas, tem uma pendente descendente com uma pequena percentagem de inclinação que permite uma descida rápida mas que também exige mais cautelas no seu percurso.
Há que ter cuidado com os equipamentos que impedem o trânsito de outros veículos (pequenos postes) e ainda nos cruzamentos que a mesma tem com algumas estradas locais a exemplo dos ainda existentes “Pare, Escute e Olhe” que em outros tempos nos alertavam para o perigo nas passagens de nível sem guarda.

Antes de chegarmos a Pedras Salgadas, ainda passamos por mais um apeadeiro, o de Nuzedo, antiga paragem dos comboios mas que para nós serviu para mais uma foto de grupo.

Em Pedras Salgadas, num quase final de tarde de sábado, poucas pessoas se viam e, nós também por lá não ficamos muito tempo e seguimos viagem pelo centro da localidade, passamos por um parque radical, ao lado de uma estrada ladeada de plátanos, sempre no antigo percurso da linha de comboio e, à saída, voltamos à ciclovia em asfalto, que iniciava uma extensíssima recta que só terminaria já bem depois do apeadeiro de Sabroso de Aguiar.


Paramos ainda numa antiga estância termal, onde ainda existe uma fonte de água mineral com gás e com muito sabor a ferro, que permitiu a quem gostasse e sede tivesse, encher garrafas e cantis para o caminho.

Depois do bem-bom (asfalto) e de terra batida com alguma pedra, um pouco mais à frente do apeadeiro de Loivos, veio o pior piso de todo o caminho. Puro cascalho, as pedras da antiga via férrea que serviam de lastro às travessas e aos carris da linha e que neste troço ainda lá estavam, para desespero nos nossos rabinhos e dos pneus das bicicletas.


Findo este tormento, surgiu novamente a terra batida mas também a incerteza do caminho. O nosso guia, o José Silva, não estava connosco mas tinha-nos dado indicações de que por esta altura a linha estava interrompida e com bastante vegetação e nós, perante um cruzamento com três alternativas possíveis, optamos por seguir em frente e descemos por um verdadeiro trilho de BTT, em terra mais solta e que certamente não era, por onde em tempos circulava o comboio . Fomos dar uma estrada e de lá seguimos directamente para Vidago, sem passar pelos apeadeiros de Oura e de Salus.

Até chegarmos a Vidago, com um furo pelo meio, tivemos muita estrada para pedalar mas nada havia a fazer e foi a melhor opção pois a noite não estava muito longe, nós sim, ainda estavamos longe do nosso destino.

Chegados a Vidago, também não tivemos muito tempo para aí desfrutarmos de algum descanso e de ficarmos a conhecer melhor a localidade, da qual saímos sem demoras por uma calçada a representar a linha férrea até ao apeadeiro de Campilho e nos fizémos de novo ao caminho e de volta à terra.

Já com muitos quilómetros nas pernas e alguns elementos bem cansados, arribamos ao apeadeiro de Vilarinho das Paranheiras, onde um rebanho pastava e um pastor nos sugeriu que optássemos por seguir a estrada nacional até Vilela do Tâmega e depois seguissemos a Chaves, uma vez que, se seguissemos a linha, a volta seria maior e teriamos que passar alguns obstáculos, com a noite quase a chegar.

Apesar de termos tido de enfrentar uma valente subida, até Vilela do Tâmega e outras mais suaves, no dia seguinte, tivemos a confirmação que esta foi sem dúvida a melhor opção, mas essa estória fica para contar para a crónica do regresso.

Depois do esforço das subidas, foi o querer chegar, o pedalar e aproveitar as descidas até Chaves onde já chegamos para lá das sete e meia da tarde, já noite.
Para desespero de causa, ainda nos faltava chegar à Granjinha, lugar onde se situava a casa do Sérgio e do irmão, onde iríamos armar “barraca” para aí pernoitarmos. Para lá chegarmos, ainda tivemos um valente esforço, pois a subida que enfrentamos, já cansados, foi certamente o rabo que não queríamos esfolar.
O resto, conta-se em poucas palavras pois não são necessários muitos pormenores.
Montamos as tendas, comemos esfomeados uns saborosos frangos de churrasco, trocamos umas palavrinhas sobre as vicissitudes do percurso, divertimo-nos e fomos-nos a pouco e pouco, entregando-nos ao merecido descanso de uma boa noite de sono, já que ao nascer de Domingo, tínhamos o regresso, novamente a pedalar.
Valdemar Freitas
Em breve – BTT – Chaves – Vila Real – pela antiga Linha do Corgo (CP)