Crónica de escárnio e maldizer:
“O Melhor Domingueiro de sempre,
visto pelos olhos de um #madafoca “
… naquela manhã, contrariamente ao previsto, as nuvens timidamente começaram a dispersar e os primeiros raios de sol romperam as inúmeras gotas de orvalho criando infinitos micro-arco-íris.
Já se adivinhava a fabulosa orquestra composta pelo som dos pneus a resvalar na terra húmida, misturados com os risos alarves e infantis dos imberbes raiders…
O primeiro a chegar ao ponto de encontro foi o primeiro de sempre, super-organizado e pontualíssimo, seguido do segundo de sempre que chegava com o seu inigualável e fenomenal sorriso.
A pouco e pouco foram chegando os restantes culpados…. haviam para todos os gostos: gordos, magros, atléticos, menos atléticos, saudáveis, menos saudáveis, gente alegre, gente triste que disfarçava com um sorriso aparentemente alegre, malta com problemas sérios, malta com problemas que achava sérios, malta que achava que não tinha problemas, e vinha eu… todos prontos para o Domingueiro.
Este iria ser o mais especial de sempre, não por ser naquele local, não por causa dos trilhos divertidos, não por causa da paisagem, muito menos por causa do reforço… este seria o mais especial de sempre porque seria o próximo. Passou finalmente a semana em que todos ansiaram por este Domingo.
-“Está na hora! Vamos arrancar!”
-“Calma pá, ainda não bebi café”
-“Sim, calma pá… é normal darmos 10 minutos de tolerância… e depois o outro disse que ainda vinha”
-“Verdade, mandou-me agora uma mensagem… diz que está a chegar!”
-“Eu á meia-hora tenho que estar de regresso porque vou almoçar a casa dos sogros”
-“Olha aí está ele… já todos beberam café? Então vamos arrancar!”
-“Malta, é para curtir… não fica ninguém para trás …”
E lá foram eles com a adrenalina nos píncaros…
… o outro parecia que tinha as anedotas secas presas numa garrafa de refrigerante… chocalhou a garrafa, tirou a rolha e transbordaram as piadas secas… muito secas.
-“Hoje o gajo veio todo colorido, parece que vai para uma passagem de modelos”
-“Estamos a viver bem… pneus novos?”
-“O que é esta merda? Ainda agora arrancámos e já temos arroz?”
-“É o que dá porem este gajo a guia…. hoje estamos fodidos”
-“Tem calma que vamos ter uns trilhos top.. mas muito cuidado, porque o piso está escorregadio”
-“Eu quero é monte, caralho!!!”
Lá foram eles monte acima, monte abaixo.
Um furo rapidamente resolvido… aquilo era malta mais profissional do que os mecânicos da Ferrari durante a mudança de pneus na fórmula 1… em menos de nada, a bike está de pernas para o ar, o pneu sai da roda, o gajo já está a encher a câmara, dois ou três aproveitam para aliviar a bexiga, os telemóveis registam as primeira fotos.
-“Onde é o reforço?”
-“Porra, só pensas no reforço, ainda não pedalaste nada e já queres comer…”
-“Vai ser no sítio do costume… mas ainda temos muito arroz pela frente”
-“Toca a arrancar”
Chegados ao topo, encontraram uma paisagem magnífica… o cheiro a terra húmida, as cores Outonais, a ligeira brisa na copa das árvores, convidavam a uma contemplação… á esquerda, a arriba mostrava um aspecto desolador, o negro, o horrível e criminoso negro, mostravam o quão estúpido é o homem… felizmente em frente e á direita, a Natureza era rainha… milhares de tons de verde, a flora mostrava todo o seu esplendor… lá ao fundo a quase desaparecida aldeia centenária… um dia havíamos de ir lá….Este era o local indicado para a primeira foto de grupo.

-“Então, não consegues equilibrar a câmara?”
-“Espera que eu tenho aqui um tripé”…
-“Estão todos?”
-“Toca a encolher as barrigas”
-“Nada de fazer cornos aos da frente”
Vinha agora o rodízio de descidas e trilhos. O nosso capitão apresentava o menu do dia…
-“Ora, como entrada irá ser servido um estradão empedrado, salteado por um ou outro drop divertido… cuidado com o último troço porque deve estar escorregadio e com rochas laminadas. Segue-se uma ligeira subida até a encosta da serra. Juntamos a malta toda e vamos dar espaço porque será servido, como prato principal, um fabuloso trilho single-track com troços picados, sempre ladeados por uma fabulosa ribanceira á vossa direita… quem tiver vertigens é melhor desmontar depois do terceiro pinheiro… mas com calma, isto faz-se bem… dêem espaço… agora é a melhor altura para filmar… prontos? Vamos a isto!!!! “
-“Então e não há sobremesa?”
-“Se depois desta refeição ainda tiveres ‘fome’ serviremos de sobremesa uma escadaria para desceres montado nela até o tasco”
-“Escadas?? Para foder o resto dos dentes? Vai tu!”
Como seria de esperar, a descida encheu as medidas da malta toda. Um dos fotógrafos foi á frente e conseguiu umas fotos fabulosas posteriormente partilhadas no site do grupo. Algumas delas foram promovidas a fotos de perfil. O filme ficou top. Ainda bem que o gajo desta vez não colocou música nenhuma… há lá melhor banda sonora do que o som dos pneus a resvalar na terra, a ultrapassarem pedras e pedregulhos… a chapinharem nas poças ou badalhocarem-se na lama.
-“Ninguém caiu, pois não?”
-“Está tudo fino”
-“Bem…. naquele salto depois do terceiro pinheiro estava a ver que me esbardalhava todo… vá lá que consegui equilibrar a bike”
-“Ainda tenho as pernas a tremer… kaputa de trilho!!!”
-“Os cús devem estar no alinhamento do cubo da roda traseira com pernas flectidas e calcanhares para baixo… “
-“Ainda falta muito para o reforço? Estou cá com uma sede!”
Lá foram eles, cerca de 2 km de trilhos semi-urbanos e outros tantos de alcatrão e estariam no tasco.
-“Quantos somos?”
-“15? Era receita para 30 ofaxavor!!!!”
-“Febras para todos?”
-“não se arranjam também uns pratinhos com salpicão e queijo, com uma regueifa para a malta picar?”
……….
-“Não estás com boa cara. O que tens pá?”
-“Merdas no trabalho… andam a despedir malta e aquilo está um ambiente de cortar á faça”
-“Caga nisso, tu fazes bem o teu trabalho, não tens que te preocupar… “
-“Sim, não batas com a cabeça nas paredes por causa disso pá “
-“Depois, há coisas mais importantes na vida … a família, os amigos…”
-“A saúde…”
-“Isso mesmo … olha o caso dele… com o problema que tem e vê lá se não está aqui com a malta…”
-“Então e o rapaz que tem a mulher doente?”
-“Claro pá… e se alguma coisa falhar no trabalho tens saúde para arranjares outra merda qualquer, e estamos aqui todos para ajudar”
-“Vamos fazer um brinde malta? Quem faz o brinde?”
-“Um brinde ao gajo que vai ser pai, outro ao que vai ser avô, outro ao que foi promovido, ao que se vai casar, ao que se vai divorciar …. e a todos nós, caralho!”
-“Não se arranjam umas papas?”
-“Este gajo não existe… come este mundo e o outro e não tem uma grama de gordura”
Fecharam o reforço com o habitual ‘xiripiti’ (uma espécie de bagaceira adocicada por um qualquer fruto, mais ou menos excêntrico, desta feita fora uma ‘pomada alimonada’). Seguiram por estrada para recuperar o tempo perdido no tasco… e lá foram eles: gordos, magros, atléticos, menos atléticos, saudáveis, menos saudáveis, gente alegre, gente triste que disfarçava com um sorriso aparentemente alegre, malta com problemas sérios, malta com problemas que achava sérios, malta que achava que não tinha problemas, e vinha eu… estava a terminar o Domingueiro.
O almoço será disfarçado, pois sobra pouco espaço no estômago para enfardar o cozido da sogra.
Uma sesta de tarde vem mesmo a calhar. Amanhã já é dia de trabalho outra vez.

-“Bolas, ainda faltam 7 dias para o próximo Domingueiro. Vai ser o melhor de sempre!”
Homenagem aos bravos do Dar ao Ped@L
Nota: o autor não segue o recente (des)acordo ortográfico e segue o código de pontuação nortenho no qual uma vírgula, ponto de exclamação, adjectivo, ou qualquer outra cena gramatical, pode ser substituído, sem qualquer razão aparente ou aviso

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